Dizem os neotradicionalistas:
Mons. Bugnini foi claro que o Novo Ordo queria obscurecer a doutrina católica sobre a Santa Missa para não desagradar protestantes: “Desejo eliminar [do futuro Rito em elaboração] cada pedra que pudesse se tornar ainda que só uma sombra de possibilidade de obstáculo ou de desagrado aos irmãos separados” (L’Osservatore Romano, de 11 de março de 1965; Doc. Cath. Nº 1445, de 4/4/1965, coll. 603-604).
A frase de Mons. Bugnini é descontextualizada. Na verdade, ele estava falando da reforma das orações solenes da sexta-feira santa de 1965 e não do Novo Ordo. Especificamente se refere a uma modificação da oração sétima que possuía as palavras “heréticos” e “cismáticos”, (mudadas para irmãos que creem em Cristo) e, provavelmente, expressões que diziam que os irmãos separados eram “almas seduzidas pelos artifícios do demônio” (o que foi omitido). Vários teólogos conservadores falam que se deve evitar o uso das palavras fortes referidas e preferir uma expressão mais benevolente de irmãos separados para não feri-los. Não está falando em diminuir ou retirar elementos teologia católica da Santa Missa de sacrifício propiciatório ou presença real.
Olhemos para uma tradução mais completa para entender melhor o que diz Mons. Bugnini:
“A sétima oração tem o título: ‘Pela unidade dos cristãos’ (não ‘da Igreja’, que sempre foi una). Não falamos mais de ‘hereges’ e ‘cismáticos’, mas de ‘todos os irmãos que crêm em Cristo” (…) Os especialistas pensaram em trazer à luz as fontes bíblicas e litúrgicas que deram origem ou inspiraram os novos textos elaborados pelos grupos de estudo do Consilium. Digamos também que muitas vezes o trabalho efetuou-se ‘cum timore et tremore’ quando tratava-se de sacrificar expressões e conceitos muito ricos e os quais nos eram familiar desde sempre. Por exemplo, como não lamentar o ‘ad sanctam matrem Ecclesiam catolica matque apostolicam revocare dignetur’ da sétima oração? E no entanto, ao fazer estes sacrifícios penosos, a Igreja foi guiada pelo amor das almas e o desejo de tudo fazer para facilitar o caminho de união aos irmãos separados, afastando toda pedra que poderia constituir a mínima sombra de um risco de obstáculo ou desagrado, na confiança de que a pedra comum trará o dia em que toda “a família de Deus”, reunida “na integridade da fé e sob o sinal da caridade” poderá cantar numa só voz (una voce) e com um só coração o Aleluia pascal da ressurreição e da vida.”.
Está claro aqui que se refere as modificações das orações da Sexta-feira Santa. Quando se fala em eliminação de toda “pedra” que poderia ser risco de obstáculo ou desagrado dos irmãos separados está se tratando especificamente da sétima oração da Sexta-feira Santa, justamente para facilitar o caminho de união dos irmãos separados. O que dizia essa oração? “Oremos também pelos hereges e cismáticos, para que Deus, Nosso Senhor, os livre de todos os erros e se digne reconduzi-los à Santa Madre Igreja Católica e Apostólica” [Oremus pro haereticis et schismaticis ut Deus et Dominus noster eruat eos ab erroribus universis et ad Sanctam Matrem Ecclesiam catholicam atque Apostolicam revocare dignetur]. E na segunda parte: “Deus todo-poderoso e eterno, que salvas a todos, e não quer que ninguém pereça: olha para as almas seduzidas pelos artifícios do demônio: que, deixando de lado todo mal herético, os corações daqueles que erram possam se arrepender e retornar à unidade de Tua verdade. Por Jesus Cristo, nosso Senhor… R. Amém”. [Omnipotens sempiterne Deus, qui salvas omnes, et neminem vis perire: respice ad animas diabolica fraude deceptas; ut, omni hæretica pravitate deposita, errantium corda resipiscant, et ad veritatis tuæ redeant unitatem. Per Dominum nostrum Jesum Christum… R. Amen].
Trata-se, portanto, especialmente, da mudança dos vocábulos “heréticos” e “cismáticos” para “irmãos que creem em Cristo”, explicitamente referidas na fala de Mons. Bugnini, e podemos supor que também se refira ao trecho sobre as “almas seduzidas pelos artifícios do demônio” da segunda parte. A verdade de fé que existe uma só Igreja de Cristo, que todos os outros devem se unir está mantida. Os termos ‘heréticos’ e ‘cismáticos’ e a expressão sobre as almas desviadas pelo engano “do demônio” são considerados como pedras que poderiam constituir alguma sombra mínima de risco de obstáculo ou desagrado aos irmãos separados no caminho de união destes à verdadeira Igreja. Eis o teor da oração já modificada: “Oremos por todos os nossos irmãos e irmãs que creem no Cristo, para que o Senhor nosso Deus se digne reunir e conservar na unidade da sua Igreja todos os que vivem segundo a verdade”. A segunda parte é modificada assim: “Deus todo-poderoso e eterno, que reúne os dispersos: olha para as ovelhas do teu rebanho; para que os que foram santificados por um só batismo sejam unidos pela integridade da fé e pelo vínculo da caridade da fé”.
Essa mudança de modo de se referir aos cristãos dissidentes, para não feri-los, é condenável? Parece que não. Dom Antônio Castro Mayer incentivando o uso da expressão “irmãos separados”, comenta: “O que devemos evitar – salvas as necessidades de uma justa e nobre polêmica imposta pelo interessa das almas – são as expressões que possam, de qualquer forma, magoar a nossos irmãos separados; isso ainda quando devamos suportar com paciência as consequências de uma vontade que a heresia ou o cisma tornaram mais especialmente ríspida conosco. Vale neste ponto o conselho de São Paulo: procura vencer o mal com o bem (cf. Rom. 12, 21)”.(Carta Pastoral, Considerações a propósito da aplicação dos Documentos promulgados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, 19 de março de 1966)
Martin Jugie diz sobre as Igrejas ortodoxas: “Contudo, geralmente é acrescentado, na prática, para não ferir aos fiéis destas Igrejas e para facilitar-lhes desta maneira a volta à verdadeira Igreja poderá muito bem, sem detrimento à verdade, fazer-se uso das denominações mais benignas de Igrejas dissidentes, de Igrejas separadas” (Theologia dogmática christianorum orientalium ab Ecclesia dissidentium, Paris, 1926, t. I, p. 20).
Charles Journet acrescenta, após transcrever a citação anterior: “o mesmo se diga das Igrejas protestantes, de Igrejas heréticas ou de Igrejas cismáticas”. (Teologia de la Iglesia, ano 1962, Desclée de Brouwer, p. 381).
Isso também tem precedência na atitude da Santa Sé. Por exemplo, o Santo oficio aprovou uma fórmula de profissão de fé no lugar de abjuração para o convertido. Uma forma positiva, sem palavras duras, demonstrando tato psicológico:
“O Santo Ofício deu provas não somente de caridade, mas também de tato psicológico ao aprovar em 1936 uma nova fórmula de entrada na Igreja para os protestantes convertidos, que não se chama abjuração, mas profissão de fé, e que não contém nenhum elemento negativo, nenhuma execração, mas somente uma afirmação pública da fé. Segundo Congar, em 1945 se aprovou uma fórmula na Inglaterra que não tem nenhum termo duro, e um decreto de 20 nov. 1946 permite que o usem os Bispos franceses; cf., JOMBART, Traité de Droit Canonique cit., n. 1144”. (T. García Barberena, Comentarios al Codigo de Derecho Canonico, v. IV, 1964, p. 456, nota 13).
A Congregação dos Ritos, sob Leão XIII, retirou uma prece contra turcos e heréticos da devoção conhecida como Oração das Quarenta Horas, constante na Liturgia. A prece assim versava: “Que Tu se digne a deter e tornar nulas as armadilhas de todos os turcos e heréticos”.
A reforma da Semana Santa sob Pio XII (1955) modifica ao menos o título das referidas orações, mudando “Pro haeréticis et schismáticis” para “Pro unitate ecclesiae”.
Além disso, nessa reforma sob Pio XII determina-se que seja realizada a genuflexão no momento da oração pela conversão dos judeus, o que já ocorria nas demais orações. Interpretava-se, anteriormente, que não se ajoelhar nesse momento tinha um sentido simbólico. Vejamos a explicação de Dom Guéranger nesse sentido: “Aqui [nesta oração] o diácono não convida os fiéis a se ajoelharem. A Igreja não hesita em fazer uma oração pelos descendentes dos algozes de Jesus; mas, ao fazê-lo, ela se abstém de fazer uma genuflexão, porque esse sinal de adoração foi transformado pelos judeus em um insulto a Nosso Senhor durante a Paixão. Ela ora por Seus escarnecedores; mas ela evita repetir o ato com que eles zombaram Dele.” (Dom Prosper Guéranger , OSB (2000). O ano litúrgico (PDF) . VI. Maré da Paixão e Semana Santa . Fitzwilliam, NH: Loreto Publications. p. 485). O Papa Pio XII, portanto, sacrificou esse simbolismo para não desgostar os judeus.
São João XXIII, por sua vez, retira a expressão “perfídia judaica”, que já não consta no Missal romano de 1962.
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Fonte: https://apologistascatolicos.com.br/a-ortodoxia-do-ordo-de-sao-paulo-vi/#obscurecer(2)
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