A tradição ensina: o papa não pode errar ao estabelecer leis

    

    A tradição da Igreja é unânime em afirmar que o papa não pode estabelecer uma lei/disciplina que seja iníqua e vincule os fiéis ao erro. Uma lei eclesiástica pode ser mais ou menos conveniente, mas nenhuma pode ser má em si mesma. Isso vale para o novus ordo missae. Se a Igreja o promulgou, dada a tese certa acima, podemos inferir seguramente que a Missa Nova, tal como fora promulgada, é segura e isenta de erro. Mas essa ação pode ter sido menos conveniente do que manter o missal de São Pio V? Os fiéis e teólogos tem liberdade de pensarem isso. O Papa Francisco promulgou o Traditionis custodes, uma restrição relativa às missas rezadas segundo o missal de 1962. É possível que essa lei seja má em si mesma? Não. Mas é lícito achar que foi pouco conveniente. Veja abaixo o que diz a unanimidade dos teólogos católicos:

Wernz-Vidal:

        "Os Romanos Pontífices não estão, de maneira nenhuma, impedidos de legislar contra as regulamentações disciplinares de seus predecessores (pois não existe autoridade de um igual sobre outro igual) ou contra o direito comum de veneranda antiguidade... E, embora possa acontecer que os Romanos Pontífices eventualmente promulguem, por breve tempo, leis menos oportunas que tenham precisado ser corrigidas ou retratadas por ele próprio ou por seus sucessores, não pode, porém, ocorrer e não ocorrerá nunca que seja promulgada pelo Romano Pontífice para a Igreja universal uma lei disciplinar contrária à reta fé e aos bons costumes. De fato, se bem que não tenha sido prometido aos Papas o supremo grau de prudência ao promulgar leis disciplinares, eles porém certamente gozam daquela infalibilidade da qual a Igreja desfruta acerca das leis disciplinares universais." (Jus canonicum, t. I [Roma 1952] pp. 268-269). 

São Francisco de Sales:

        "Tampouco jamais faz um mandamento geral a toda Igreja em coisas necessárias se não pela assistência do Espírito Santo, que se não falta nem às espécies de animais em coisas necessárias, porque Ele as estabeleceu, menos faltará ao cristianismo no que é necessário para a vida espiritual. E como seria a Igreja una e santa; tal como as Escrituras e símbolos a descrevem? Porque se ela tivesse um Pastor e o pastor errasse, como seria santa? E se não lhe seguisse, como seria una? E que desordem não se veria no cristianismo, se alguns achassem e encontrassem uma lei má e os outros boa, e se as ovelhas em lugar de pastar e engordar nos pastos da Escritura e santa Palavra se distraíssem em fiscalizar os juízos do superior? (As controvérsias, p. II, cap. VI, art. XV)

Francisco Suarez:

        "É necessário compreendê-la (a infalibilidade) quanto à substância ou quanto à honestidade dos costumes: de fato, no que se refere às circunstâncias, à multiplicação de leis, ou ao rigor, a penas excessivas, não há inconveniente em por vezes se incorrer nalgum defeito humano, pois isso não vai contra a santidade da Igreja; mas aprovar coisas nocivas como honestas ou, ao contrário, condenar coisas honestas como iníquas, repugna à verdade e à santidade da Igreja e, portanto, também nessas coisas o Pontífice não pode errar". (Cit. in: Jus canonicum, cit., p. 269, nota 28)

Billuart:

        "Depois de Suarez e Banez, João de Santo Tomás acrescenta que a Igreja pode errar no que se refere às circunstâncias, à aplicação e à execução da lei, por exemplo, ao decretar excessivos preceitos e censuras, e aplicá-los de forma demasiado restritiva. Pois, diz ele, tudo parece antes pertencer à prudência e às modalidades circunvizinhas da lei do que à sua substância e à moralidade. Cano pensa da mesma forma .... no entanto, ao preocuparmo-nos com as leis estabelecidas para todos os cristãos, é apenas por respeito a estes muito doutos homens que suas reservas são seguidas: Eu não ousaria fazê-las minhas "(De regulis Fidei, dissert 3, a.. 5)

João de Santo Tomás: 

        “Dizemos então que, quanto a substância e a moralidade da lei que o pontífice comumente propõe como regra de costumes por observar, seria HERESIA afirmar que a Igreja pode errar, de maneira que permitisse ou mandasse algo pernicioso, ou contra os bons costumes, ou contra o direito natural ou divino.” (De auctoritate Summi Pontificis, disp. III, a. 3)

Melchior Cano (1509? – 1560):

      "Em questões graves, de grande importância para a formação da moral cristã, a Igreja, ao promulgar leis que dizem respeito a todos, não pode ordenar nada contrário ao Evangelho ou a razão natural .... Assim como ela não pode definir nada como vicioso quando na verdade é virtuoso, nem como virtuoso aquilo que é vicioso, como também, promulgar suas leis, aprovando qualquer coisa contrária ao Evangelho e à razão. Se, por qualquer julgamento expresso, ou ao decretar uma lei, ela aprovou o que é errado ou reprovou o que é certo, o erro seria não apenas um desastre para os fiéis, seria também, de certo modo, oposto à fé que aprova todas as virtudes e condena todos os vícios. Além disso, Cristo nos mandou obedecer as leis da Igreja, dizendo: Faça tudo o que vos digo .... e: Quem vos ouve a mim ouve ..., de modo que se a Igreja aqui errasse, Cristo seria o autor dos nossos erros "(De Locis Theologicis, lib. V, cap. v, concl. 2).

Pe. Thomas PÈGUES:

        “A autoridade de governo, no Soberano Pontífice, deve ser considerada absoluta. Quando o Papa comanda, e sob qualquer forma em que ele comande, todos na Igreja devem obedecer. Mas é necessário dizer que o Papa, quando comanda, mesmo como Papa e enquanto chefe da Igreja, não pode enganar-se? Cumpre falar aqui de infalibilidade? Não pode se tratar, em todo o caso, de um infalibilidade idêntica à Infalibilidade doutrinal. Ninguém admite que o Papa, quando comanda, ordene necessariamente tudo o que há de melhor e de mais excelente para o bem dos indivíduos, dos diversos grupos, ou da Igreja inteira. Não se trata de uma infalibilidade positiva. Trata-se somente de uma INFALIBILIDADE NEGATIVA; e isso equivale a dizer que o Papa não tem como ordenar nada que vá contra o bem definitivo daqueles a quem ele se dirige. Nesse sentido, será dificílimo de não admitir que o Papa é infalível, ao menos quando se trata de leis ou de medidas disciplinares que obrigam toda a Igreja. Mas, como se vê, não se trata mais da Infalibilidade em sentido estrito” ( O.P., L’Autorité des Encycliques pontificales, d’apres saint Thomas [A autoridade das Encíclicas pontifícias segundo Santo Tomás de Aquino], in: Revue Thomiste, XII, 1904, pp. 513-32, cit. à p. 520-1).

Cardeal Journet:

        "Uma assistência prudencial infalível, em sentido próprio, que garante divinamente a prudência de cada uma das medidas de interesse geral. Não só não ordenarão estas medidas nada imoral ou pernicioso, nada que possa ir contra a lei evangélica ou contra a lei natural, mas que além disso serão todas medidas sábias, prudentes, boas. O que não quer de maneira alguma dizer que sejam sempre as melhores entre todas as possíveis medidas: as leis eclesiásticas, ainda que ditadas sob a assistência do Espírito Santo, tratam de orientar uma matéria sempre em movimento, do que se segue a possibilidade de um certo jogo e adaptações sempre mais perfeitas. E se poderá neste caso falar de formas e reformas da Igreja" (Teologia da Igreja, Bilbão, 1960, p. 187)

Pe. Garrigou-Lagrange:

     "A Igreja não pode negligenciar a verdade; nem pode contestar a verdade. Também não pode tolerar o obscurecimento das mais graves verdades de fé e moral. É igualmente impossível a Igreja inaugurar uma disciplina prejudicial." (The Theological Virtues: On Faith, p. 211).

Dom Lambert Beauduin:

    "É a liturgia a escola onde a Santa Igreja nos ensina a rezar. Fora desse magistério são tão fáceis as aberrações! A oração católica tem as suas leis que a Igreja aplica no seu culto com fidelidade constante." (Vida Litúrgica, 1938, 32)

Dom Próspero Guéranger (1885):

    “A disciplina eclesiástica é o conjunto das regulamentações exteriores estabelecidas pela Igreja. Essa disciplina pode ser geral, quando suas regulamentações emanam do poder soberano da Igreja com a intenção de obrigar a todos os fiéis, ou ao menos uma classe de fiéis, salvo as exceções concedidas ou consentidas pelo poder que proclama essa disciplina. Ela é particular quando as regulamentações emanam de uma autoridade local que a proclama na sua alçada. É artigo da doutrina católica que a Igreja é infalível nas regulamentações de sua disciplina geral, de sorte que não é permitido sustentar, sem romper com a ortodoxia, que uma regulamentação emanada do poder soberano na Igreja, com a intenção de obrigar a todos os fiéis ou ao menos toda uma classe de fiéis, poderia conter ou favorecer o erro na fé ou na moral.

    Segue-se daí que, independentemente do dever de submissão na conduta imposto pela disciplina geral a todos aqueles que ela rege, deve-se também reconhecer um valor doutrinal nas regulamentações eclesiásticas dessa natureza. A prática da Igreja confirma essa conclusão. Com efeito, nós a vemos com frequência nos concílios gerais, nos juízos apostólicos, apoiar suas decisões em matéria de fé nas leis que ela estabeleceu para a direção da sociedade cristã. Alguma prática que representa uma crença é conservada universalmente na Igreja; logo, a crença representada por essa prática é ortodoxa: pois a Igreja não poderia professar o erro, nem mesmo indiretamente, sem perder a nota de santidade na doutrina, nota que é essencial a ela até à consumação dos séculos.[...] 

    A disciplina está, portanto, em relação direta com a infalibilidade da Igreja, e já está aí uma explicação de sua alta importância na economia geral do catolicismo.” “Terceira Carta a Monsenhor, o Bispo de Orléans”, in: Institutions liturgiques, 2.ª edição, Palmé, 1885, vol. 4, pp. 458-459.

Cardeal Billot (1927):

    “Tese XII: O poder legislativo da Igreja tem por matéria tanto aquilo que se refere à fé e aos costumes quanto aquilo que se refere à disciplina. No que se refere à fé e aos costumes, soma-se à obrigação da lei eclesiástica a obrigação de direito divino; em matéria disciplinar, toda obrigação é de direito eclesiástico. Contudo, ao exercício do supremo poder legislativo está sempre ligada a infalibilidade, na medida em que a Igreja é assistida por Deus para que ela nunca possa instituir uma disciplina que seria de qualquer maneira oposta às regras da fé e à santidade evangélica.” De Ecclesia Christi, Roma, 1927, tomo I, p. 477

Van Noort (1959):

    "Infalibilidade da Igreja estende-se ... as leis eclesiásticas passadas para a Igreja universal para a direção do culto cristão e da vida cristã .... Mas a Igreja é infalível na emissão de um decreto doutrinário como acima esclarecido - e de tal forma que nunca pode sancionar uma lei universal que estaria em desacordo com a fé ou aos bons costumes ou seria por sua própria natureza, propícia para o prejuízo de almas.... Se a Igreja deve cometer um erro na forma alegada, quando ela legislou para a disciplina geral, ela deixaria de ser um guardiã fiel da doutrina revelada e confiável professora do modo de vida cristão. Não seria um guardiã da doutrina revelada, pois a imposição de uma lei viciosa seria, para todos os efeitos práticos, equivalente a uma definição errônea da doutrina, todo mundo deveria naturalmente concluir que o que a Igreja tinha ordenado enquadrada na sã doutrina. Não seria uma professora do modo cristão de vida, pois por suas leis induziria a corrupção, na prática da vida religiosa". Teologia Dogmática. 2:91.

Joachim Salaverri (1962):

"3) Em relação decretos disciplinares em geral que são, pela sua finalidade [finaliter] relacionadas com coisas que Deus revelou.

    "A. O objetivo do Magistério infalível exige infalibilidade de decretos desse tipo .... Especificamente, que a Igreja afirma infalibilidade para si mesma nos decretos litúrgicos, foram estabelecidas pela lei, nos Concílios de Constança, e Trento solenemente promulgou a respeito da comunhão eucarística sob uma só espécie. Isso também pode ser abundantemente comprovado de outros decretos, pelas quais o Concílio de Trento solenemente confirmou os ritos e cerimônias utilizadas na administração dos sacramentos e da celebração da Missa". Sacrae Theologiae Summa. 5 ª ed. Madrid: BAC 1962. 1: 722, 723

Michael Schmaus:

    “A Igreja não possui um juízo infalível sobre se uma lei promulgada por ela é a forma mais apropriada às circunstâncias ou é prematura ou antiquada. Contudo, como a Igreja é guiada e conduzida pelo Espírito Santo há certeza prática, de que suas disposições e decisões são proveitosas para a salvação. Uma lei eclesiástica não é em nenhum caso prejudicial para a salvação." (Teologia Dogmática, A Igreja, p. 432, Madrid, 1960)

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Fonte:https://continuitas.blogspot.com/2014/01/a-infalibilidade-dos-ritos-e-leis.html?fbclid=IwAR1Nz6NqxcN_teHsUCkBhhl2tfdUyI-f-xVlzmxt3KQDIpxohVX5pkOF53M

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